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Filho do Jogo - Episódio 01

“Cartela em desalinho”

Abertura:

CENA 01: (Ruas Cariocas. Exterior. Noite.)

 

Numa estrada escura, a câmera se aproxima de um acidente terrível: um carro capotado, destroçado violentamente, com fumaça saindo pelos cantos do veículo.

 

RICO (Narração): Depois de um dia como o que eu tive, eu poderia imaginar mil cenários diferentes para finalizar ele, menos esse. Nunca pensei que terminaria assim, e que uma tragédia dessa proporção fosse me trazer a melhor notícia da minha vida…

 

Três carros passam pelo acidente, conferindo a cena, e logo saem, cantando pneu.

 

RICO (Narração): E também nunca pensei que a melhor notícia da minha vida teria como consequência um risco eterno de morrer. Mas tá bem, eu tô disposto a correr esses riscos, e se você se colocasse minimamente no meu lugar, também estaria disposto a corrê-los.

 

Close muito próximo no rosto de Rico, muito machucado pelo acidente. A cena escurece.

 

HORAS ANTES

 

CENA 02: (Comunidade. Ruas. Exterior. Dia.)

 

“Pecado Capital - Só Pra Contrariar” tocando ao fundo. Cena clareia. A câmera sobrevoa a comunidade do Cantagalo, no início de um novo dia. Rico vem andando pelas ruas da comunidade, fazendo uma caminhada matinal. Escuta uma voz chamando-o.

 

ROBERVAL (Off): Ei, Ricardo! Venha cá, rapaz.

 

Rico ri e se aproxima de uma banca de apostas próxima. A cartela dos bichos em grande volume na entrada e Roberval na bancada, com as fichas de jogo.

 

ROBERVAL: E aí, rapaz, não vai fazer a fezinha hoje não?

 

RICO: Pô, sogrão, tô meio duro. Mas vou jogar no meu número da sorte, vai que Deus seja bom comigo dessa vez, né não? Bota 20 reais aí na casa do Jacaré. Números 57 e 58.

 

Roberval assina os números na casa errada.

 

RICO: Calma aí, seu Roberval, tá colocando no sentido errado, ó, é assim que se faz.

 

Rico guia a mão de Roberval para o sentido certo de marcação na cartela. Roberval ri.

 

ROBERVAL (Rindo): Rapaz, cê tá bom nisso mesmo, hein? Já pensou em virar bicheiro, não, Rico?

 

RICO: Que isso, eu não dou pra essas coisas, não. Muita confusão que tem nesses meios, né?

 

ROBERVAL: É… tenso mesmo. O que banca essa lojinha aqui, por exemplo, nem é do Rio de Janeiro porque tem medo de ser morto aqui. Mas, falando de coisa boa, não esquece que hoje tem samba, hein! Vê se não vai faltar, porque não dá pra sambar sem pandeiro!

 

RICO (Rindo): Pode deixar, seu Roberval. A gente se vê lá!

 

Rico se retira. Roberval segue organizando as apostas.

 

CENA 03: (Casa de Rico. Interior. Dia.)

 

Rico adentra a casa, encontra Cátia na cozinha e vai falar com a mãe. Nota a mulher cabisbaixa e poucas coisas na mesa da cozinha, e começa a estranhar aquilo.

 

RICO: A bença, mãe.

 

CÁTIA: Deus te abençoe, meu filho.

 

RICO: E aí, o que é que tem de problema no rango hoje?

 

Cátia paralisa, olha ao redor e coça a cabeça, nervosa.

 

CÁTIA: Olha, Ricardo… eu não sei nem como é que eu vou te falar isso, meu filho. Mas esse mês as coisas complicaram e hoje só sobrou arroz com ovo pro almoço.

 

Rico se incomoda com a situação de escassez e apenas acena com a cabeça, conformado. Ele se senta numa das cadeiras da cozinha e coloca as mãos sobre a cabeça, pensativo. Pouco tempo depois, Paulão e Kelly adentram a casa, também cabisbaixos.

 

KELLY: Gente, vocês não vão acreditar no que aconteceu… ou conto ou você conta, pai?

 

PAULÃO: Olha, parece que vão cortar a luz aqui de casa, gente. A gente foi pagar umas contas na rua e acabou não sobrando pra pagar a energia… a empresa falou que a gente não tem nem até o final do dia.

 

Rico ainda mais angustiado.

 

RICO: PORRA!

 

A luz cai na casa, deixando todos perplexos. Rico se levanta violentamente, deixando a cadeira cair no chão.

 

CÁTIA (Desesperada): Rico, onde é que você vai?!

 

RICO: EU VOU DAR UM JEITO NISSO!

 

PAULÃO: Meu filho, não tem mais o que fazer! Agora é só esperar pra ver se ninguém empresta um dinheiro pra gente.

 

RICO: Eu vou trabalhar mais, pai. O problema não é o dinheiro? Então pronto!

 

Rico sai, deixando todos nervosos.

 

CENA 04: (Mansão dos Veiga. Sala de refeições. Interior. Dia.)

 

Close aéreo num bairro nobre do Rio de Janeiro, o sol iluminando em peso a cidade maravilhosa. Viajamos por ela até chegar numa enorme mansão: a casa dos Veiga de Oliveira. A câmera vai entrando, passeando por toda a estrutura luxuosa da casa até chegar na cozinha. Lá estão Marcinho, Mauricéa e Alaor, sentados à mesa. O clima frio e tenso entre eles. Um mordomo vem da cozinha, servindo uma omelete para Marcinho.

 

MORDOMO: Mais alguma coisa, gente?

 

MARCINHO: Não, Patrício, pode ir.

 

O mordomo vai saindo, até que Marcinho o chame de novo.

 

MARCINHO: Ah, Patrício, só me faz um favor antes!

 

O mordomo revira os olhos e se vira para ele, sorrindo.

 

MARCINHO: Por favor, manda ligarem lá na cúpula e confirmarem a minha presença, tá? Tô cheio de problema pra resolver lá… tá um pandemônio naquele lugar! E avisa ao porteiro do condomínio que é pra ele ficar bem atento no portão, porque eu não volto tão cedo e aquele velho parece que não passa das nove horas acordado!

 

O mordomo faz sinal positivo com a cabeça e se retira. Mauricéa atenta no que Marcinho fala.

 

MAURICÉA: O que de tão angustiante tá acontecendo nessa cúpula, Marcinho?

 

MARCINHO: Ah, titia, é o Batista Avillar enchendo o meu saco porque eu quis ampliar as minhas áreas até São Cristóvão, mas parece que o alecrim dourado já tava com algumas áreas lá.

 

MAURICÉA: Cuidado, hein, garoto? Já ouvi muito falar desse Batista. Você sabe o que ele já fez contra a nossa família.

 

ALAOR: Pois é, Marcinho. A gangue desse homem matou o seu pai e a sua mãe! Não seja o próximo, meu sobrinho…

 

MARCINHO: Pois bem, ele não sabe com quem ele tá mexendo agora…

 

MAURICÉA: Bom… e que horas seria essa reunião na cúpula?

 

MARCINHO: Às oito.

 

Mauricéa assente, interessadíssima. Marcinho recebe uma ligação no celular. Podemos ver quem é no visor do aparelho: Batista Avillar.

 

MARCINHO: Eu vou precisar resolver um probleminha agora, com licença.

 

Marcinho se retira.

 

MAURICÉA: Meu amor, eu vou cuidar um pouco da minha vida também, porque hoje o dia está bem cheio!

 

Ela beija Alaor e se retira. O homem come sozinho à mesa.

 

CENA 05: (Mansão dos Veiga. Gramado. Exterior. Dia.)

 

No gramado, Marcinho anda de um lado para o outro, falando ao telefone. Ele está visivelmente nervoso, discutindo com Batista em uma ligação.

 

MARCINHO (Alterado): É o seguinte, mermão, aprende a demarcar as tuas áreas direito que aí ninguém invade, caralho! (…) Porque você é quem deixou as tuas áreas moscando lá em São Cristóvão, Batista! Mas sabe de uma? Eu deixo de esmola pra você! Fica com elas, porque tem bairro muito melhor pra ter posse aqui nesse Rio de Janeiro. (…) Então tá! Na cúpula a gente resolve essa merda!

 

A câmera vai se distanciando da situação, até que se revele Mauricéa, escondida, escutando toda a conversa. Ela ri, com deboche.

 

MAURICÉA (Rindo): Como homem briga por qualquer coisa, hein? Mas espera só pra ver quando eu for a chefe dessa família… ah, nunca verão outra igual! Porque eu sou a mais mais desse RJ!!!

 

Ela se retira. A imagem embaça, mas ainda podemos ver a silhueta de Marcinho brigando ao telefone.

 

 

Um mosaico de takes do Rio de Janeiro é mostrado à medida que a tarde chega à cidade. Vamos nos aproximando de uma avenida engarrafada. A câmera desce mais e mais até que entremos num carro.

 

 

CENA 06: (Carro de Rico. Interior.)

 

Carros buzinando pra dedéu no meio do engarrafamento. Rico tenso ao volante, com um cliente no banco de trás, este bastante mal-humorado.

 

CLIENTE: Bora, gente, esse trânsito não vai andar, não?! Faz alguma coisa, motorista!

 

RICO: Meu senhor, infelizmente eu não tenho muito o que fazer nessa situação. A única coisa que a gente pode fazer é esperar controlarem essa bagunça aqui…

 

CLIENTE: Ah, que nada! Soca a mão nessa buzina aí! Bora, que eu tenho horário!

 

RICO: Todo mundo tem horário, meu senhor…

 

CLIENTE: Mas o meu compromisso é o mais importante, eu te garanto!

 

Rico buzina algumas vezes, mas não há diferença nenhuma no engarrafamento.

 

RICO: Tá vendo só? Nada aconteceu.

 

CLIENTE: Você que é incompetente. Ah, nunca mais eu pego carona contigo. E ainda vou dar avaliação negativa lá no app!!!

 

Rico revira os olhos. Depois de um tempo, o trânsito finalmente começa a andar e Rico deixa o cliente em seu local. O homem joga o dinheiro em Rico e sai. Ele suspira, apoiando a cabeça no volante, devastado. Começa a chorar.

 

RICO (Chorando): Ah, minha nossa senhora, eu não mereço isso… eu não mereço isso… (Ódio): POR QUE JUSTO PRA MIM ESSAS COISAS TÃO ACONTECENDO? TEM ALGUMA EXPLICAÇÃO?! Eu não aguento mais! Tanta gente ruim aí no bem-bom e eu na desgraça?! ME DIZ, MINHA NOSSA SENHORA, EU MEREÇO UMA COISA DESSAS?! NÃO, NÃO MEREÇO! QUE INFERNO!!!

 

Ele bate a cabeça no volante compulsivamente e depois para, chorando ainda mais.

 

RICO (Em prantos): Eu só preciso de um milagre, qualquer coisa que mude a minha situação, não importa o que seja, não importa como seja…

 

CENA 07: (Mansão Avillar. Adega. Interior.)

 

Sobrevoamos um condomínio de luxo no Leblon e vamos passeando pelas lindas paisagens e moradores transitando pelo local. Corte para a grande mansão dos Alcântara Avillar, uma enorme moradia que chama a atenção de todos. Corte direto para a adega da casa, onde se encontram Batista e Helena, lado a lado. O homem com um computador no colo, analisando as suas áreas no Rio. Helena, ao seu lado, acompanha tudo.

 

BATISTA (Rindo): Ah, mas que família de safados! Olha só, o Marcinho Veiga, AQUELE FILHO DE UMA PUTA, não tava pegando só as minhas áreas em São Cristóvão. Caralho, Helena, até na Rocinha esse moleque tava fazendo a festa!

 

HELENA: Ah, é? Pois pega essa sua imponência, pega a mesma coragem que você teve quando mandou metade daquela família pro andar de cima e mata o Marcinho também. É menos uma pedra no sapato…

 

BATISTA: É porque você não sabe e nunca vai saber tudo o que esteve por trás dessas mortes em série na família Veiga, Helena. Mas se você soubesse, iria ligar todos os pontos e saber que eles não morreram só por minha causa. Inclusive, se o Marcinho morrer do dia pra noite, não se surpreenda.

 

HELENA: Eu não me surpreendo com mais nada nesse meio de bicheiros, Batista. O jogo do bicho é erguido por três demônios: o da ambição, o da possessão e o da matança.

 

Helena se levanta com seu copo de whisky.

 

HELENA: E fica esperto, porque em todos esses anos eu nunca vi ninguém sair sem marcas desse jogo. É um milagre que você não esteja morto ainda… ou talvez as suas marcas sejam internas, né?

 

BATISTA: Eu não tenho marcas, Helena. Eu causo elas. (Rindo): O seu traseiro que o diga. Mas enfim, essa situação com as minhas áreas não vai ficar assim, e isso vai ser resolvido hoje na cúpula. Eu quero ver o Marcinho Veiga com a cara na poeira!

 

Batista termina o seu whisky e olha para o vão, pensativo. Helena o observa.

 

CENA 08: (Mansão dos Veiga. Escritório. Interior. Tarde.)

 

Marcinho olha para a tela de seu computador atentamente, encarando uma mensagem enviada por Batista, quase chorando de ódio. Num ataque de nervos, ele começa a quebrar tudo dentro do escritório, chamando a atenção da casa inteira.

 

MARCINHO: FILHO DA PUTA! QUE INFERNO!

 

Mauricéa adentra o escritório às pressas, assustada com a situação.

 

MAURICÉA (Assustada): O QUE É ISSO, O QUE É QUE TÁ ACONTECENDO AQUI?!

 

MARCINHO: O Batista… esse demônio já tá querendo pegar todas as minhas áreas pra cumprir essa vingança ridícula dele… mas isso não vai ficar assim! Você vai ver, eu vou pegar ele desprevenido. Eu vou matar o Batista, tia!

 

MAURICÉA: Não age de cabeça quente, garoto! Calma! Olha… eu vou pedir pra empregada trazer um chá!

 

Mauricéa se retira. Marcinho se senta na cadeira e abre uma gaveta do escritório, tirando um revólver de lá.

 

CENA 09: (Casa dos Silva. Quarto de Maria Joana. Interior.)

 

A câmera se aproxima de Rico e Maria Joana deitados na cama. Ele, pensativo, olhando para o nada; ela, abraçada a ele, repara na expressão exausta do homem.

 

MARIA JOANA: Amor, aconteceu alguma coisa?

 

RICO: Não, mô… é só que o dia hoje não foi dos melhores, sabe?

 

MARIA JOANA: Você quer falar sobre isso?

 

RICO: Sei lá… sinto que se eu estagnar onde eu tô e continuar levando a vida desse jeito, eu nunca vou conseguir nada, nunca vou realizar nenhum dos meus sonhos e nem cumprir nenhum dos meus objetivos. Eu quero ter mais dinheiro, quero conseguir dar uma vida melhor pra minha família. Pra você ter uma noção, só hoje já cortaram a luz lá de casa e não tem dinheiro nem pra um almoço digno. Me diz se isso é vida pra alguém levar?!

 

MARIA JOANA (Assustada): Meu amor, eu não sabia que as coisas tavam tão difíceis assim, mas… você sabe que a comunidade aqui sempre tá junta pra tudo. A gente pode juntar todo mundo, cada um dá a contribuição que puder pra te ajudar!

 

RICO: Eu não quero ser ajudado, Jô. Eu quero levar uma vida melhor com segurança de que sempre vai ter sustento, sempre vai ter comida, que nunca vai faltar nada. (Chorando): Eu só quero isso, e eu preciso de uma virada, de alguma coisa que me faça subir na vida. Eu não me importo com o que seja, nem como seja, sério mesmo, eu só preciso sair do buraco onde eu tô!

 

Maria Joana abraça Rico apertado e limpa as lágrimas dele.

 

MARIA JOANA: Rico, olha pra mim. Você vai ter sim a sua virada! E vai dar tudo certo, meu amor, porque o que é pra ser seu, JÁ É seu! O teu momento vai chegar e não vai demorar. Nossa Senhora tá passando na frente de tudo!

 

Eles se beijam e abraçam. Maria Joana triste por ele, e Rico com lágrimas ainda de revolta no rosto.

 

CENA 10: (Motel. Quarto. Interior.)

 

Ao som de “Earned It - The Weeknd”, vamos andando pelos corredores deste motel. A estrutura enorme é decorada com mármore branco, paredes vermelhas brilhantes e detalhes em dourado. Entramos numa das suítes mais luxuosas daquele lugar, escutando gemidos inacabáveis de prazer vindos dela.

 

Ao adentrarmos por completo a cabine, vemos um movimento frenético: Mauricéa e Batista em um sexo intenso. Takes da mulher deitada na cama, prendendo a cabeça de Batista entre as pernas. O homem chupa com vontade enquanto Mauricéa delira de prazer. Ela avista uma meleira na bancada ao lado e pega. Começa a despejar o líquido viscoso sobre a vagina, o que faz Batista saborear com ainda mais vontade.

 

Corte para eles deitados na cama, Mauricéa por cima. Ela quica em Batista de forma insaciável. O homem a puxa para perto, agarrando-a pelos cabelos, e começa a roçar a barba em seu rosto, mordiscando a orelha dela e assumindo o ato. Abraça Mauricéa com força e faz movimentos frenéticos, penetrando-a. Os dois gemem em sintonia. A câmera vai desfocando deles. Corte rápido para os dois deitados na cama, nus, abraçados.

 

BATISTA (Rindo): Caralho… deve ser por isso que, mesmo odiando profundamente você e toda a sua família, eu não consigo te esquecer. Nem com mil fodas dessas eu consigo saciar essa minha vontade de você.

 

MAURICÉA: Tenho minhas dúvidas se você tem esse ódio descomunal por mim mesmo. (Rindo): Não é isso que eu vejo aqui nessa cama…

 

BATISTA: É o seguinte: inimigos, inimigos, sexo à parte, beleza? (Rindo): E por falar em inimigos, o seu sobrinho anda me dando bastante dor de cabeça, Mauricéa.

 

MAURICÉA: Ah, querido, pra mim também. Mas não pense que eu já não estou resolvendo isso. Porque eu estou!

 

BATISTA: E como você pretende dar um jeito nesse moleque?

 

MAURICÉA (Rindo): A gente não tá aqui pra falar do jogo, né? Eu vim aqui garantir um pouquinho do prazer que eu mereço sentir. O que acontece no jogo de cada um fica com a gente até o túmulo!

 

BATISTA: Bom saber… então vamos continuar aproveitando o tempo que a gente tem aqui antes que eu tenha que ir pra cúpula resolver as coisas do “meu jogo”.

 

Eles riem e se beijam. Batista dá um tapa na bunda de Mauricéa, atiçando-a. Eles começam a se alisar, sentindo o corpo um do outro. Vemos closes de cabeças descendo e subindo, corpos se roçando, bocas abertas gemendo de prazer e movimentos frenéticos. A câmera vai se afastando…

 

CENA 11: (Unidos de Cantagalo. Salão. Interior. Tarde.)

 

Os moradores da comunidade do Cantagalo estão em peso no salão da escola de samba. O local, a céu aberto, é organizado com varais de lâmpadas, palcos de madeira, mesas, barraquinhas e diversos outros atrativos. Maria Joana e Luciane carregam algumas caixas pelo local. A mulher nota a filha cabisbaixa.

 

LUCIANE: Jô, o que aconteceu, minha filha? Você tá tão murchinha.

 

MARIA JOANA: Eu estive com o Rico agora de tarde, mãe, e a situação dele e da família não tá nada legal. Tô com muito medo de como ele tá reagindo a tudo isso, porque o Ricardo é muito impulsivo.

 

LUCIANE: Eu imagino. Esses dias eu tava conversando com a Cátia e ela falou um pouco de como as coisas tão difíceis. Acho que talvez seja o caso da gente juntar o pessoal aqui da comunidade pra dar uma ajuda, não?

 

MARIA JOANA: Pois é, eu também sugeri isso pro Rico.

 

Do outro lado da escola, Maria Brunessa e Roberval carregam mais algumas coisas.

 

MARIA BRUNESSA: Ô paizinho, dá conta aí agora porque eu quero registrar esse momento pros meus brumores. Sabe, pra mostrar que a blogueira fav deles também é super povão.

 

ROBERVAL: Brumores? Fav?

 

A garota larga as caixas no chão e puxa o celular do bolso. Começa a gravar tudo ali.

 

MARIA BRUNESSA: Alô, alô, minhas divindades maravilhosas e brumores do meu coração! Hoje a vibe por aqui é essa, ó: arrumação do sambinha! #sextou, né? Merecemoooosss!!!

 

Ela vai se aproximando de Maria Joana, gravando.

 

MARIA BRUNESSA: Fala, mana! Bora carregar as caixas, bonita! Força nesses braços aí!

 

MARIA JOANA (Rindo): Garota, cê não cansa de gravar essa tua vida pros seus 7 seguidores, né?

 

MARIA BRUNESSA: 7 mil, tá, amor? Que em breve serão 7 milhões, bilhões, trilhões!

 

MARIA JOANA: Tá bom… agora vai lá ajudar os meninos da banda a trazer os instrumentos e o palquinho pra cá.

 

Maria Brunessa revira os olhos e vai. A câmera sobe, mostrando o céu de fim de tarde. Ele vai escurecendo até que a lua surja e a noite comece.

 

CENA 12: (Unidos de Cantagalo. Salão. Interior. Noite.)

 

Câmera desce. “Samba Miudinho - Viola da Doze” toca no ambiente. Vemos o salão completamente decorado e muito bonito, brilhando à noite e cada vez com mais pessoas chegando para curtir a festa.

 

Roberval vem andando pelo salão, cumprimentando todos os presentes. Para pra falar com Maria Joana.

 

ROBERVAL: Minha filha, cadê o Rico que ainda não chegou aqui?

 

MARIA JOANA: Também não vi ele, pai. Mas eu vou ligar pra saber, pera.

 

Roberval segue andando, até que é interrompido por alguns homens da banda.

 

HOMEM: Ei, seu Roberval! O Ricardo já tá chegando? A gente não pode começar sem ele.

 

ROBERVAL: Ele deu uma atrasadinha mesmo, mas a uma hora dessas já deve estar saindo de casa. Vamo esperar!

 

A câmera se afasta do salão, o sambinha tocando nas caixas de som e as pessoas chegando em maior quantidade.

 

CENA 13: (Mansão dos Veiga. Sala de estar. Interior. Noite.)

 

Marcinho termina de se ajeitar na sala de casa, arrumando as mangas do terno. Mauricéa adentra a sala. Dois motoristas já estão posicionados ao lado do homem.

 

MARCINHO: Até mais, tia. Acho que vou voltar bem tarde. Essa reunião vai ser longa… Vamos, rapazes.

 

Os motoristas se dirigem ao carro, até que Mauricéa o interrompe.

 

MAURICÉA: Marcinho, espera… você não acha melhor ir num carro desconhecido, meu sobrinho? Você sabe como é o Batista Avillar e andou tendo bastante desavenças com ele… eu só não quero que você corra nenhum risco, entende?

 

Marcinho paralisa, pensativo.

 

MARCINHO: Você tem razão, talvez seja melhor pedir um carro de aplicativo, não? (Rindo): A que tipo de situação um bicheiro tem que se sujeitar pra salvar a própria pele, hein?

 

MAURICÉA: Pois é, querido, é o destino que o jogo proporciona, não o que Deus quer.

 

Marcinho abre o aplicativo no celular e vê as opções de motoristas. Um deles, com ótima avaliação, chama sua atenção.

 

MARCINHO: Ricardo Acaré… tá, tem uma boa avaliação e esse carro até que é “andável” também. (Rindo): Mas será que eu ainda sei entrar em carro de pobre?

 

Marcinho faz o chamado no aplicativo e guarda o celular. Faz sinal e dispensa seus motoristas. Mauricéa contém o sorriso.

 

CENA 14: (Casa de Rico. Sala. Interior. Noite.)

 

Entramos na casa, iluminada por velas e flashes de celular por conta do corte de luz. Cátia e Paulão já estão prontos e sentados no sofá. Rico termina de calçar o sapato. Kelly coloca o brinco em frente ao espelho, apressando todos.

 

KELLY: Bora, Ricardo, anda logo com isso que tu já tá atrasado!

 

RICO: Já tô indo. Seu Roberval já me mandou mensagem apressando, e pelo visto só falta eu pra começar o sambinha lá.

 

No meio da conversa, o telefone de Rico apita, mostrando um chamado para uma corrida distante, mas muito bem paga.

 

RICO: Marcinho Veiga… aquele bicheiro famoso! Porra… e ainda com uma corrida num valor desses? Não dá pra desperdiçar essa oportunidade!

 

CÁTIA: O que você disse, filho?

 

RICO: Família, vocês vão ter que ir sem mim e falar pro seu Roberval me esperar um pouco…

 

PAULÃO: Por quê, rapaz? Cê já não tá vendo que tá atrasado? Quer infartar o Roberval?!

 

RICO: Eu acabei de pegar uma corrida caríssima, pai! Não dá pra desperdiçar. É até pra famoso!

 

CÁTIA: Meu filho, eu sei que você tá se esforçando pra melhorar as coisas aqui em casa, mas também não precisa abrir mão de tanta coisa assim. Vai pro samba, se divertir…

 

RICO: Foi mal, mãe, mas outra hora a gente conversa sobre isso.

 

Rico se retira. Do lado de fora da casa, escutamos ele ligando o carro e cantando pneu. Todos na sala se olham, preocupados com ele.

 

CENA 15: (Mansão dos Veiga. Exterior. Noite.)

 

Vemos a mansão dos Veiga de Oliveira ainda mais luxuosa à noite, com as luzes acesas, formando um espetáculo à parte no condomínio. O jacaré esculpido no jardim, iluminado com luzes verdes, chama a atenção de qualquer um que passe por ali. Inclusive de Rico, que vem se aproximando com o carro e estaciona em frente à casa. Ele para antes de buzinar, vidrado com tanto luxo.

 

RICO (Deslumbrado): Que casa sinistra, mermão. Pelo visto esse negócio de jogo do bicho dá dinheiro mesmo. Caralho…

 

Ele buzina algumas vezes para que Marcinho veja que ele chegou. De dentro da mansão, vemos Marcinho saindo acompanhado de Mauricéa. Eles se despedem e, quando os enormes portões da casa se abrem, Marcinho caminha até o carro de Rico e o adentra.

 

RICO: Boa noite, senhor Marcinho.

 

MARCINHO (Gélido): Boa noite.

 

Rico dá partida na viagem. Vemos o carro indo embora e focamos em Mauricéa, observando tudo de longe no gramado. Rapidamente ela ergue o celular e liga para alguém.

 

MAURICÉA: Mauricéa Veiga falando… pode começar aquele nosso servicinho, meu bem. Ele acabou de sair e está indo em direção à cúpula. Fica naquele sítio luxuoso, saindo um pouco da cidade. Muito bem (…) Esse mesmo! (…) Certo, me garanta que não vai dar brecha pra nada sair errado. (…) Até logo, tchau tchau.

 

Ela desliga e encara o percurso do carro de Rico até que suma de vista. A câmera se afasta dela.

 

CENA 16: (Ruas. Exterior. Noite.)

 

O clima é frio entre Rico e Marcinho dentro do carro. O motorista tenta puxar assunto.

 

RICO: Teve uma vez que o seu pai, o Ailton Veiga, fez uma distribuição de brinquedos lá no Cantagalo. Eu era criança ainda, foi tudo muito legal de se ver, lembro até hoje.

 

MARCINHO (Ríspido): Pois é. Ele gostava bastante de realizar esses atos de caridade. Foi um homem muito bom.

 

RICO: Não tenho dúvidas disso. Aliás, por que vocês bicheiros têm dessas de ser tão caridosos com a população? Alguns caras da família Garcia, por exemplo, já fizeram até distribuição de remédios lá na comunidade.

 

MARCINHO (Rindo/irônico): Por puro status, cara. Pode ter certeza!

 

Rico fica um pouco desconfortável com o clima, mas se atreve a fazer outra pergunta.

 

RICO: Mas me conta, se não for incômodo, de onde vem tanto dinheiro?

 

MARCINHO: Olha só, cara, eu tô tentando te levar numa boa, mas você não tá colaborando. Dá pra parar de fazer pergunta sem noção e deixar eu seguir essa carona em paz? Se você puder, eu agradeço muito.

 

RICO (Assustado): Desculpa.

 

Algum tempo se passa. Close aéreo no carro, agora entrando numa estrada deserta e escura, já saindo um pouco da cidade. Um instrumental tenso começa. Rico olha pelo retrovisor e vê uma estranha movimentação de carros ao fundo. Alguns veículos pretos vêm chegando em série e em grande quantidade, o que começa a deixá-lo preocupado. Marcinho nota também e fica tenso.

 

MARCINHO (Nervoso): Olha… será que tem como acelerar um pouco, rapaz?

 

RICO: Sim, eu posso…

 

Rico acelera, deixando os outros carros para trás. Porém, nota-se que agora eles começam a andar mais rápido também, tentando alcançar o carro de Rico.

 

MARCINHO: Merda, merda, merda…

 

RICO (Tenso): Tá tudo bem, senhor Marcinho?

 

Num ato de impulsividade, Marcinho saca a arma e atira no vidro do carro, abrindo espaço e colocando o revólver para fora. Começa a atirar contra os carros na tentativa de se defender, porém tiros começam a vir dos veículos também.

 

RICO (Desesperado): QUE PORRA É ESSA, CARA?!

 

MARCINHO: SÓ PISA O PÉ NESSE ACELERADOR, MOTORISTA!

 

Rico tenta a todo custo desviar dos tiros dos outros carros, fazendo manobras arriscadas. Os tiros quebram o vidro traseiro e as balas começam a entrar com mais velocidade. Rico é atingido no ombro por um tiro e perde o controle do carro, colocando a mão sobre o ferimento e tentando estancar o sangue que jorra compulsivamente dali.

 

MARCINHO: CARA, AGUENTA AÍ E COLOCA AS MÃOS NESSE VOLANTE, POR FAVOR!

 

Rico começa a perder a consciência, deixando o carro andar por si só, desgovernado. Um dos carros consegue cercar o veículo de Rico, se colocando à frente e apontando a arma.

 

MARCINHO (Furioso/Chorando): BATISTA AVILLAR, FILHO DA PUT///

 

Neste momento, Rico desmaia de vez e bate a cabeça no volante, o que faz com que o carro perca totalmente a direção e colida violentamente com o veículo à frente. O resultado é uma grande catástrofe: a colisão faz com que um dos carros seja arremessado para longe e o de Rico seja jogado violentamente para fora da estrada, derrapando numa barranca e capotando diversas vezes.

 

A catástrofe feita. A câmera se aproxima da cena do carro completamente destruído e dos corpos de Rico e Marcinho, muito machucados, à mostra.

 

(FIM DO EPISÓDIO)

10/11/2025

 

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