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Césio 137 | O Pesadelo de Goiânia 

 

"Era apenas mais um dia comum em Goiânia. Tudo corria normalmente, até que um achado iria mudar a história da cidade para sempre. Um simples objeto, até então aparentemente inofensivo, nada mais era do que uma arma letal, que em pouco tempo, seria a responsável por tornar a tragédia um dos maiores acidentes radiológicos de toda a história". 

 

[GOIÂNIA - 13 DE SETEMBRO DE 1987] 

 

--- Imagens de Goiânia na década de 1980 são mostradas. Simulação de dois homens revirando as ruínas de um antigo hospital abandonado, até que encontram um item anormal ali e que chama a atenção dos dois. 

 

NARRADOR: Naquele dia, dois catadores de lixo encontraram nas ruínas de um hospital, o Instituto Goiano de Radioterapia, uma máquina de radiografia abandonada. Até então os homens não sabiam do que se tratava e do poder que aquele achado teria" 

 

--- Roberto Santos e Wagner Mota Pereira eram os catadores que encontraram a máquina no hospital. Sua ideia inicial era retirar todo o chumbo e metal que havia para vender, mas os mesmos não se deram conta de que dentro dela também havia uma cápsula contendo césio 137, uma substância extremamente radioativa, e esse deslize, era só o início da grande tragédia que estava por vir. 

 

NARRADOR: Mesmo com a cápsula pesando mais de cem quilos, os dois homens conseguiram carregá-la para a casa de um deles, e não demorou muito até que o contato com o material tóxico acontecesse e os primeiros sintomas começassem. Como na época ninguém havia se dado conta de que os sintomas tinham a ver com a contaminação radioativa, era muito mais fácil explicar as náuseas, vômitos e tonturas com a alimentação. 

 

[SEXTA, 18 DE SETEMBRO DE 1987] 

 

--- Imagens de Goiânia são mostradas. Simulação de Roberto e Wagner, após o primeiro contato com a cápsula, sentindo sintomas da contaminação. 

 

NARRADOR: Cinco dias haviam se passado desde que Roberto e Wagner manifestaram os primeiros sintomas da contaminação, e sem melhora alguma. Eles haviam conseguido fechar negócio com Devair Alves Ferreira, dono de um ferro-velho no Setor Aeroporto, região central de Goiânia, e para ele foi vendida a cápsula que continha o césio 137." 

 

--- A venda da cápsula para o ferro-velho de Devair foi o ápice para a contaminação se espalhar rapidamente por toda Goiânia. Ele notou que havia uma quantidade de pó dentro da cápsula (este pó sendo o césio 137), que transmitia uma linda e hipnotizante luz azul vista no escuro. Aquele efeito causado pela substância era de tirar a atenção de qualquer um. 

 

NARRADOR: Devair havia ficado fascinado por aquele brilho azul. Acreditava que talvez pudesse se tratar de algo valioso ou até mesmo, místico, e por isso, levou consigo a substância para dentro de casa, onde sua esposa Maria Gabriela, logo também começou a manifestar os primeiros sintomas da contaminação. Nos dias em que se seguiram, diversos parentes de Devair e amigos estiveram no local para ver a luz azul que era emitida pelo césio, sem ao menos imaginar que estavam sendo expostos a uma perigosa fonte radioativa. 

 

"Sabe aquela música 'a gente era feliz e não sabia'? Assim era eu, era minha família antes do acidente". - Lourdes das Neves Ferreira, cunhada de Devair, dono do ferro-velho onde toda a tragédia se iniciou. 

 

[QUINTA, 24 DE SETEMBRO DE 1987] 

 

NARRADOR: Ivo, irmão de Devair, visita o ferro-velho e tem seu primeiro contato com a substância. Então, ele leva um pouco do pó para sua casa, que ficava perto dali. A filha dele, a pequena Leide das Neves, se lambuza com o césio, e foi a vítima mais afetada pelas consequências da radiação. 

 

--- Em entrevista ao Fantástico, no ano de 2017, quando a tragédia completou seus 30 anos, Luiza Odet dos Santos, tia de Leide, relatou como a contaminação aconteceu. Ivo havia levado um pouco do césio para sua casa no bolso da calça, e Leide mais tarde resolveu mostrar para a tia. Segundo Luiza, assim que entrou no quarto e as luzes foram apagadas, o césio começou a brilhar. Um dia depois, Leide começou a apresentar os primeiros sintomas da radiação. 

 

[SEGUNDA, 28 DE SETEMBRO DE 1987] 

 

NARRADOR: Dez dias depois da venda da cápsula para o ferro-velho de Devair, a esposa dele, Maria Gabriela já estava há alguns dias com os sintomas da contaminação, e foi a primeira a identificar que algo de errado estava acontecendo. 

 

--- Maria Gabriela e um ajudante do ferro-velho então levam a peça para ser analisada na vigilância sanitária. Eles pegam um ônibus para chegar até lá, o que fez a contaminação se espalhar com mais rapidez. Dois dias depois, o físico Walter Mendes Ferreira, que estava de passagem por Goiânia, é acionado e consegue um medidor de radiação. 

 

"Há uns 70 ou 80 metros a escala já estourava. Eu achei que o detector estava com defeito" - Walter, Fantástico - 2017. 

 

NARRADOR: Após descobrir que a cápsula era uma perigosa fonte radioativa, Walter vai até a casa de Ivo, onde estava Leide, há alguns dias passando mal, mas como os valores de radiação no corpo da menina eram extremamente altos, ele não conseguiu medir com o detector. 

 

--- A partir daí, era descoberto o maior acidente radiológico da história do Brasil. 

 

[SÁBADO, 03 DE OUTUBRO DE 1987] 

 

NARRADOR: Com uma fonte radioativa fora de controle se espalhando por Goiânia, três técnicos especializados são chamados para irem até a capital goiana averiguar o que estava acontecendo, e ao irem até o ferro-velho de Devair, eles tem a confirmação. A substância desconhecida era na verdade o Césio-137. 

 

--- Logo, a notícia se espalhou por toda a cidade e o pânico se instalou entre a população. Todos tinham dúvidas se haviam ou não sido contaminados pelo pó. Durante o período de quarentena pelos infectados, foram monitoradas cerca de 112.800 pessoas. 

 

NARRADOR: Os dias se passavam, e havia uma piora constante entre os primeiros que se contaminaram com o césio. Maria Gabriela, Luiza e seu marido Kardec foram algumas das vítimas mais graves, e foram transferidos para o Hospital da Marinha, no Rio de Janeiro. 

 

[SEXTA, 23 DE OUTUBRO DE 1987] 

 

NARRADOR: Em 23 de outubro de 1987, as primeiras mortes pela contaminação aconteciam. Maria Gabriela, a primeira a desconfiar da substância, e Leide das Neves, a menina que brincou com o pó, não resistiram e acabaram falecendo devido ao alto índice de radiação em seus organismos. 

 

--- Quatro dias mais tarde, em 27 de outubro, morreu Israel Batista dos Santos, um dos funcionários do ferro-velho de Devair. E no dia seguinte, 28 de outubro, morreu Admilson Alves de Souza, também funcionário do local.  

 

NARRADOR: Essas quatro vítimas fatais da tragédia foram enterradas em caixões de chumbo. Leide das Neves foi enterrada em 26 de outubro, no Cemitério Parque, no Setor Urias Magalhães, em Goiânia. Houve muita discórdia sobre o enterro da jovem ser feito lá, acreditavam que o corpo dela ainda poderia transmitir radiação, mesmo lacrado no caixão de chumbo. 

 

--- Ivo e Devair sobreviveram ao acidente, mas tudo o que aconteceu deixou marcas profundas em suas vidas, e os dois entraram em depressão. Devair morreu vítima de uma cirrose, em 1994. Já Ivo, vítima de um enfisema pulmonar causado pelo alto uso de cigarro, em 2003. 

 

NARRADOR: Wagner e Roberto, os dois catadores que acharam a cápsula abandonada nas ruínas do hospital, também sobreviveram. Por ordem judicial, os dois deveriam receber um dinheiro mensal dos quatro condenados pela tragédia, mas só dois deles, Carlos Bezerril e Criseide Dourado, pagaram. 

 

--- Os dois, juntamente com Orlando Teixeira, responsáveis pela clínica abandonada onde a cápsula do césio foi encontrada, e o físico Flamarion Goulart, foram condenados a três anos e dois meses de prisão por homicídio culposo (quando não há a intenção de matar), em 1996. Em 1997, a pena foi substituída por serviços comunitários. 

 

--- O dono do prédio, Amaurillo Monteiro de Oliveira, foi condenado a um ano e dois meses de prisão, mas depois conseguiu a suspensão da pena. E em 1998, todas as penas foram suspensas devido a um indulto presidencial. 

 

NARRADOR: São marcas que jamais se apagarão das mentes de quem vivenciou o que foi a tragédia do Césio-137. Quem faz de tudo para esquecer o trauma do que foi os meses de setembro e outubro de 1987, ainda tem as marcas vivas na pele, e essas sim, jamais serão esquecidas. 

 

"Em memória de todas as 4 vítimas fatais do acidente radiológico do Césio-137"

13/09/2022

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